terça-feira, 11 de março de 2008
E SE MANÉ GARRINCHA JOGASSE HOJE?
Eu não cheguei a ver o Mané Garrincha jogar no Maracanã, ao vivo e em cores. Acho que meu pai, prudentemente, evitou me levar aos jogos do nosso Fluminense contra o Botafogo do Mané, mais conhecido como “Alegria do Povo”. Devia temer uma mudança de time de minha parte. Mas pelo que eu vi em filmes, gravados nas Copas do Mundo de 1958 e 1962, alegria era pouco. O Mané era a própria Felicidade, em pessoa, ali, de chuteiras, transformando em circo um esporte que, passo a passo, estava se tornando o mais querido do mundo. E falando em “mais querido”, vamos ao verdadeiro mote para essa conversa esportiva: a discussão perante as gozações nos adversários. Tudo começou no último FLAFLU, quando o meia Tiago Neves, do Flu, foi comemorar seu terceiro gol dançando o Créu (uma coreografia pornográfica, bizarra mistura de fado e funk) em frente à torcida do Fla. A massa rubro-negra, quieta estava, quieta continuou. A goleada era um fato inegável, ficar revoltado com a gozação era piorar o péssimo. Eu não estava no estádio, vi o jogo pela televisão e depois, acompanhando pelos jornais e pela Internet, não me lembro de nenhuma reação raivosa por parte do perdedor, com exceção do atacante Obina entender que um jovem zagueiro tricolor fez uma ou duas embaixadinhas antes de dar um chutão pra frente, para humilhar os adversários. Quis brigar, todo ofendido. Devia ter escolhido outra profissão, pois no futebol, quem não sabe perder jamais será um vencedor. Frase feita? Conhecemos muitos grandes jogadores que acabaram cedo por essa razão. Não saber perder é primeiro sintoma de um mascarado. Mas a coisa era tão ridícula que morreu ali mesmo. Eu disse morreu? Não foi bem assim. O tal Tiago Neves, que naquela tarde comeu a bola com creme chantili, deu uma declaração à imprensa, ironizando a besteira feita pelo Obina: gostaria de encontrar o Flamengo novamente na partida final da Taça Guanabara. E aí vem um jogador do Botafogo tomar as suas palavras como ofensa, já que, para chegar à final, o Fluminense teria que enfrentar seu time primeiro. Disse que sentiu-se atingido em seus brios, que era coisa de jogador pouco profissional e blábláblá. Sua tática deu certo: conseguiu desestabilizar psicologicamente o time tricolor, que não soube manter o ritmo e, jogando muito mal, perdeu na semifinal para o Botafogo. Cuja torcida dançou o créu freneticamente. Mais falação prá lá e prá cá e o que conseguiram? Transformar o créu na dança oficial de comemoração de uma vitória. Até os velhinhos que jogam damas na praia de Copacabana estão dançando o créu ao faturar uma dama do adversário! Veio a partida final e o Botafogo teve que aturar o créu do Flamengo: perdeu e seus jogadores, técnico e até o presidente do clube foi pra entrevista chorar. Choraram de verdade! Num jogo pela Taça Libertadores da América, Souza, companheiro de Obina, ao fazer seu gol comemorou colocando as mãos nos olhos, como quem chora. E lá vem novamente o técnico e os jogadores do Botafogo reclamar. O jogador Túlio, cabeça de área, acusou o companheiro de profissão de falta de ética. Aí eu fico pensando: quem pode falar em ética, no futebol praticado hoje não só no Brasil, mas no mundo inteiro, em que a violência grassa nos estádios, sob o olhar complacente dos juízes, dos clubes, das federações e da própria FIFA? Será que não consideram falta de ética fazer rodízio de faltas, aplicar carrinhos criminosos, deixar os adversários meses em tratamento médico? Que ética será essa, que faz com que um jogador abandone um clube e sua torcida no meio de uma competição por alguns dólares a mais? Ética tinham os marcadores do Mané Garrincha, que podiam até bater no nosso gênio (que apanhou muito) mas não iam pros jornais dizer que ficavam ofendidos e humilhados pelos geniais dribles “sem ética” que levavam aos domingos, nos diversos campos do Brasil e do mundo. E se o Mané Garrincha jogasse hoje em dia? Estaria sendo investigado por uma Comissão de Ética? Passaria mais tempo nas salas de cirurgia do que nos gramados. O que está acontecendo? Voltamos ao patrulhismo desenfreado? Todos são autores de normas de comportamento e ética? A gozação ao adversário, pelo menos desde que me entendo por gente e torcedor, sempre fez parte importante no ritual que é o velho esporte bretão. Como se benzer e entrar em campo com o pé direito. Como beijar a medalhinha. Como o goleiro bater com a chuteira nas bases das balizas e ir conversar em particular com a rede dentro do gol. Como ir ao estádio sempre com a mesma camisa. Mas agora não pode, todos tem que ser profissionais, isto é, jogar apenas por dinheiro, torcer sem paixão, sem humor, sem graça, como a vida brasileira sem Mané Garrincha.
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2 comentários:
Numa edição da Revista REALIDADE de 1970, sobre o camisa 7
"Uma coisa, entretanto, talvez bem poucos venham a guardar: foi Garrincha quem tornou regra chutar a bola para fora, quando via um adversário caído.
Ele, saco de botinadas a vida inteira, além do olé,criou a mais leal,humana e bonita jogada do futebol."
Obrigado Mané
Rocky
Garrincha foi um grande ARTISTA e campeão da ética.
Se pretender pôr dança na sua arte,eu proponho o rock e o paso doble e,também,uns passos de valsa.
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