domingo, 30 de março de 2008

NELSON CAVAQUINHO

Não há nenhuma razão especial para estar escrevendo hoje sobre Nelson Cavaquinho, a não ser os vídeos que assisti no site ocourodocabrito.blogspot.com, em especial os retirados de um documentário sobre ele, produzido pelo Leon Hirzman. Tenho acompanhado de longe essa retomada do samba, da geração da Lapa carioca, os novos compositores que estão aparecendo. Não quero ser saudosista, mas nenhum se compara, nem de muito longe, com Nelson Cavaquinho e Cartola, para não falar de muitos outros, uma lista infindável de poetas e compositores que fizeram os alicerces desse gênero musical como faziam os de seus barracos nos morros cariocas: estão lá até hoje! Muitos foram derrubados pelas chuvas de verão, políticos e outras calamidades. Mas, com certeza, os bem fundamentados continuam firmes, onde ninguém repara, sustentando tudo. Do chão pra cima, tudo pode mudar se a base é sólida. É o caso de Nelson Cavaquinho. Tive os primeiros contatos com seus sambas através dos discos do Paulinho da Viola. E foi no grande disco Dança da Solidão que minha paixão pelo sambista tomou forma e conteúdo, ao ouvir “Duas Horas da Manhã”, parceria com Ary Monteiro, onde percebi o que me espantava no Nelson: o poder de síntese. Grande parte de seus sambas tem por volta de oito versos, poucos passam de doze. Naquele formato quase haikay, ele dizia tudo o que queria. Nunca estive com ele nos botequins onde fazia suas canções, mas acho que quando dava por terminado o trabalho, devia dizer sempre:

- E tenho dito!

Nesse mesmo disco fui abduzido pelo Cartola, com a linda gravação de Acontece. Mas esse outro mestre fica para outra ocasião. Escolhi dois vídeos para colocar no blog, com sambas geniais.
Pranto de Poeta, com Guilherme de Brito, tem oito versos e pronto! Nelson aborda um dos temas mais constantes de sua obra: a morte. Mas, como o Nelson Rodrigues do samba, fala da bruxa com a poesia de sempre, é sua matéria prima, como os tipos, os dramas e alegrias do povo brasileiro.

“Em Mangueira quando morre um poeta todos choram
Vivo tranqüilo em Mangueira porque
Sei que alguém há de chorar
Quando eu morrer´

Mas o pranto em Mangueira é tão diferente
É um pranto sem lenço que alegra a gente
Hei de ter um alguém pra chorar por mim
Através de um pandeiro e de um tamborim”

"Revertério" é o nome da música do segundo vídeo. Composição da segunda metade da década de 50, também em parceria com Guilherme de Brito:

“Do pó vieste e para o pó irás
Neste planeta tudo se desfaz
Não deves sorrir do mal-estar de alguém
Porque o teu castigo chegará também
Vives como um fidalgo
Guardes a tua riqueza
Que eu ficarei com a pobreza
Eu me considero rico em ser pobre
Sejas como eu que sempre soube ser nobre
Tens um coração de pedra, de ninguém tens dó
Tu também és um que vieste do pó
Vives como um fidalgo
Guardes a tua riqueza
Que eu ficarei com a pobreza”

Este samba não se enquadra na observação "métrica" que fiz acima, talvez por se tratar de um tema vasto, discutido desde que o homem é homem: a pobreza e a riqueza, conceitos demasiadamente humanos.
Eu ia dar por dito meu trabalho por aqui, mas lembrei-me de outro vídeozinho que não poderia deixar de mostrar, não tanto pelo samba – mais um de seus quase haikays geniais – mas pela ambientação: o botequim à noite, com o sambista e seu violão e os amigos em volta – mulheres e crianças primeiro, diria seu xará que era almirante. Salut!

“Vou partir não sei se voltarei...
tu não me queiras mal
hoje é carnaval
partirei para bem longe
não precisas te preocupar
só voltarei pra casa
quando o carnaval acabar,acabar”

Pranto de Poeta

Revertério





Vou Partir

3 comentários:

aminhapele disse...

É LINDO!

Anónimo disse...

Interessante incursão e visita guiada ao mundo do samba...
Sentimo-nos transportados por morros e botequins, sempre acompanhando os "mestres".
mc

Codinome Beija-Flor disse...

Fantástico, ver aqui que alguém vê meu país pelo que tem de melhor, com seus grandes compositores e poetas e não um país apenas de bumbum.
Parabéns.
Abraços