Arraial do Cabo é o lugar mais bonito de toda a costa brasileira. Falo com alegria por ser tão perto do Rio de Janeiro. E com tristeza por saber que as péssimas administrações do estado e do município conseguiram detonar a cidade, suas lindas praias e quase tudo por lá. Imagine essa praia da foto acima, sem construções, sem quiosques ou automóveis estacionados na areia. Nem as árvores tinham crescido ainda.
No início dos anos 70, fomos acampar em Arraial. Éramos dois casais, simpáticos, ainda vivos, mas não casados entre si. Fomos de ônibus, carregando um pára-quedas que ganhei de um tio que era do exército e ia ser jogado fora - o pára-quedas, não o tio. Chegamos ao final da tarde na Prainha, que fica logo na entrada da cidade. Não tinha uma árvore para amarrar a nossa estranha barraca verde. Conseguimos uma madeira para servir de mastro central. Armamos tudo marromenos e fizemos nossa fogueirinha, tocamos violãozinho e fomos dormir. O vento da madrugada levantou o pára-quedas, é claro. Afinal, sua função nesse mundo é voar. Parecia uma saia de colegial voltando pra casa em plena tarde de sudoeste. Um pouco mais adiante tinha alguns rapazes acampados que nos deram uma mãozinha fundamental: arranjaram uma madeira maior para segurar a cobertura e nos ajudaram a fazer uma base de areia na parte de dentro, em círculo, para o vento não levar. Olhando de fora, a barraca parecia uma bolha, como os vestidos da moda no último verão, prá derrotar a brisa e os olhares da rapaziada. Foi a primeira suíte em que me hospedei na vida, confortável e espaçosa. Só tinha um problema: o banheiro era do lado de fora.
Todos os dias, sete da matina, o nylon transformava nossa alcova em sauna, éramos enxotados porta a fora, de encontro ao esplendor implacável da natureza em volta. Mas era ótimo, pois o que importava era a praia: do lado direito, uma elevação com uma aldeia de pescadores, que, ficamos sabendo depois, eram os donos da tal madeira. Conversa vai, conversa vem, acabamos amigos e ajudantes de arrastão, quando recebíamos peixes pelo trabalho. Aos 19, 20 anos, não tinha a menor idéia de como fritar um peixe, muito menos num fugareirinho de uma boca na beira da praia, com um vento danado e uma fome urgente, capaz de motivar assassinatos. Aí entraram em cena as mulheres dos pescadores: cozinhavam arroz e fritavam os peixes para nós. Maravilha maior não existe mais nesse mundo de deuses. Hoje, só com cartão de crédito. Retribuíamos tocando violão sob as estrelas, o mar fazendo o coral com suas ondas mais sonoras, ao pé da letra. Do lado esquerdo da praia, uma pedra enorme, inabitável, que adentrava, toda poderosa, o mar, que insistia em bater em sua base, talvez pensando em furá-la, não se sabe pra quê. Coisa da misteriosa Natureza. Na areia, uma pequena birosca, onde comprávamos água mineral e cerveja morna. Como se diz hoje em dia, cash. A Prainha era um pequeno paraíso na face da terra e ali ficamos duas semanas, tomando banho de água doce, vezenquando, num balneário em Arraial do Cabo, onde comíamos um sanduba pra enriquecer a dieta. A cidade era pequena mesmo, colonial, uma jóia muito mais valiosa do que Armação dos Búzios, que hoje detém a coroa por ter conseguido conter a sanha da especulação imobiliária e da desordem urbana que o ser humano instala em qualquer buraco, feio ou bonito. É inerente à condição humana. Hoje se fala muito na preservação do meio ambiente. Já falávamos naquele tempo. Agora, que já passou da hora, a fila andou. É melhor preservar os demais planetas. Enquanto animal que vive em sociedade, o homem pagou um preço muito caro pela sua confortável sobrevivência.
1 comentário:
Belíssimo texto,querido amigo.
Pena não vir acompanhado com a tua música e as tuas canções...
Quando nos surpreenderás com tal luxo,juntando-lhe a música e as canções do Renato?!
Um abraço.
Enviar um comentário