quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O IDEAL E A POLÍTICA


É facto resultante da larga observação da história que à existência dos povos não basta,não chegam para lhe dar vitalidade os instintos de conservação.É mister uma aspiração,ou,por outra,um ideal,que levante,congregue e tonifique o espírito dos cidadãos.Quando isto falta,as nações definham,a craveira da política baixa,a maré da corrupção sobe.

É óbvio que assim seja.Falta nesse caso aos homens públicos um impulso,um estímulo que,ou lhes aqueça os instintos generosos,ou os obrigue a levantarem-se acima de si próprios.A política torna-se rotineira,a administração torna-se inepta,formiga o parasitismo,aparecem,como nódoas filoxéricas numa vinha,as nódoas de corrupção alastrando-se,levadas as suas sementes no ar pelas virações mornas da cobiça,da vaidade,da mesquinhez de alma,filha do vazio da inteligência.

Perde-se a noção da realidade das cousas.Confunde-se a ferramenta com a manufactura,o instrumento com o fim,os meios com as obras;e em lugar da felicidade de um povo,como objectivo da política,põe-se a fortuna dos políticos.Sacrifica-se o pôrto de destino aos acasos da derrota,e por isso o pôrto não se atinge e a viagem segue indecisa,sem norte,sem rumo,à mercê das calmarias podres em que se morre afinal de inanição.

Desgraçadas as nações que um dia deixaram de ter um pensamento,uma ambição,um ideal,que seja para o seu corpo colectivo o que é para o corpo humano esta energia sintética que nos anima,incitando-nos a trabalhar como condenados quando poderíamos viver como lazaronis.

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De OLIVEIRA MARTINS

in DISPERSOS,por António Sérgio e Faria de Vasconcelos (Tomo I)

Biblioteca Nacional,1923

1 comentário:

Sei que existes disse...

Excelente! Até parece ter sido escrito nos dias de hoje!...
Beijocas grandes