segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

RAÚL BRANDÃO


"Há os que nascem postumos" - escreveu no portico dum dos seus livros essa águia altiva,sob cujas garras ainda se emaranha o pensamento contemporaneo,que foi Frederico Nietzsche.

Raul Brandao está entre esses - entre os que só principiam a viver quando a morte cerra sobre eles suas pesadas lousas.

Até ha muito pouco tempo a mediania intelectual ignorava-o ou fingia ignorá-lo; - e todavia ha ja muitos anos a mão poderosa de Junqueiro traçara,o prologo dos "Pobres",essas páginas formidaveis que decapitadas e sob o título "O que é a vida?",teem sido transcritas em quasi todos os jornaes e revistas.

A sua obra robusta,dum estarrecimento profundo,foi tradusida ao espanhol e ao italiano; - o estrangeiro apoz á obra ignorada a chancela da sua admiração e Portugal concedeu a Raul Brandao o renome que ha muito lhe pertencia.

Não ha ainda muitos anos que Raul Brandão me escrevia,a proposito de um artigo meu sobre a sua personalidade literária:

"De facto tenho poucos leitores,mas esses me bastam porque são escolhidos..."

Escritor para elites,mesmo quando exalça os humildes,Raul Brandão é,no portico do seculo,uma das maiores cerebrações peninsulares.

Seu nome só ha pouco foi galardoado; - mas sua obra já vem de longe: - e para muito longe caminha: - dirige-se atraves das hostes da mediocridade para os domínios da posteridade.

Pensador : - prosador singular: - personalidade impar : - Raul Brandão faz levitar de suas paginas uma angustia enorme,misteriosa,quazi exoterica : - nas paginas de Raul Brandão fluctua sempre uma expectativa dolorosa: - uma perplexidade estranha: - um panico sinistro,mortal.

....

O pensador soturno do "Humus",que conduz no cerebro todos os fenomenos da Rebeldia; - que vive a "fugir das formulas"; - negou-se a tal jugo; e por isso vae para ele agora todo o meu carinho; - aquele carinho que irradia sempre que lhe aperto a nobre mão; - sempre que o vejo,partir,Chiado acima,com os olhos enlanguescidos de ternura,a sondar dores longinquas,distantes e ignoradas angustias.

Raul Brandão é um dos escritores do idioma português,que podemos admirar sem afrontar a nossa personalidade.


Por Ferreira de Castro

Parte do texto publicado no nº14 da revista PORTUGAL,29 de Fevereiro de 1924

1 comentário:

Anónimo disse...

Justa homenagem de Ferreira de Castro a Raul Brandão.
E merecida.