sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

PERNA CURTA

É engraçado esse negócio de parcerias. Antes de ter um parceiro, fazias minhas primeiras músicas com temas coloquiais, como o elevador, o aniversário, o por do sol no Leblon da minha infância e adolescência, nos anos 60. Mas não mostrava pra ninguém, porta do quarto fechada, timidez quase beirando a vergonha. Quando um amigo, Cleston Teixeira, me perguntou se eu não queria colocar letra numa de suas músicas, enorme, eu aceitei na hora e viramos parceiros. Acho que nunca monstrei a ele as canções que já fazia no bolso do quarto, quase no fundo do guarda-roupa (e aí, o trema treme ou não treme?). Cleston mudou-se para sumpaulo e fiquei alguns anos compondo sozinho ou com poemas de minha namorada, a poetiza Ula Alvarez. Mais tarde, conheci o José Carlos Mello, e fez-se mais uma parceria, inicialmente cumprindo o papel de letrista e depois dividindo também a criação das melodias. Às vezes, Mello ficava horas tocando um baião, que ele chamava de "raga nordestino", composto quando morava na mesma república que o compositor paulista Passoca, nos tempos de faculdade em São José dos Campos. Ouvi tanto esse raga que acabei colocando a letra e o baião virou Perna Curta. Só vim conhecer o Passoca uns vinte anos depois, quando veio ao Rio fazer um show de lançamento de seu excelente disco Breve História da Música Caipira, obrigatório para quem ouve a sério a música desse país. E essa foi a única vez que encontrei esse parceiro. Perna Curta foi gravada pela cantora mineira Aline em seu primeiro disco independente. O mesmo ocorreu com a atriz, modelo, escritora, poetiza e cineasta Bruna Lombardi, de quem eu musiquei uns 10 poemas de seu livro Gaia mas nunca tive a oportunidade de mostrar-lhe. Já pertenço à sua comunidade no Orkut mas nunca tive resposta sobre um local para mandar-lhe um CD com as nossas parecerias. Quem sabe um dia ela faz uma pesquisa e lê isso aqui?

PERNA CURTA
Música: J.C.
Mello e Passoca
Letra:
Gerson Deslandes
Vocal: Beth Rego e Simone Guedes
Violão Nylon: Gerson Deslandes
Guitarra: Nito Lima
Bateria: Fernando Seixas
Teclado: Kiko Furtado
Baixo: Paulo Rocco
Percussão: João Ayres
Produção: André Neiva


O dia é mudo mas a noite faz discurso
O muro é alto mas é feito de papel
Teu fogo é chama
Que só queima a superfície

Tua chuva molha pouco
Porque não chove do céu

Teu vento é brisa,
Morro teu não dá crioulo

Teu cheiro é forte
Mas não chega a entorpecer

Teu mar é doce, tua farinha não dá pão
Teu fermento não dá bolo,
Não tem força pra crescer


Esse meu canto retalhado no meu peito
É sinal de que estou feito,
É sinal que dou trabalho

Não me serve de telhado,
Muito menos de agasalho

Mas estanca o navalhado
E sossega o teu chocalho

Teu cala a boca não me cala o coração
Tenho pimenta nos olhos,
Minha língua é meu facão

Tu abre o olho,
Formigueiro não se chuta

Mentira tem perna curta
Inda vou te ver no chão.

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