sexta-feira, 14 de maio de 2010

A ESTUDANTE E O POLÍCIA OU A EDUCAÇÃO DÁ-A QUEM PODE

1962 para quem o viveu ou,ainda,o recorda,não foi um ano fasto para a juventude escolar em geral e universitária em particular.Pela parte que me toca tive oportunidade de conhecer de perto um tal capitão Maltês bem como aquela afamada estância de férias que as autoridades insistiam em chamar Reduto Norte de Caxias e onde o senhor Ministro da Educação mandava "depositar"(sic) os estudantes menos dóceis.Sexa,ao que parece,tinha uma particular ligação ao colega do Interior que lhe permitia enviar,por prazos não demasiado longos,para a cadeia,os rapazolas que abusavam da sua paternal paciência.

Todavia antes de se arribar a Caxias havia normalmente toda uma série de provas.A mais simples era obviamente a participação em assembleias,ajuntamentos em que,num par de horas,se ouviam extravagâncias:democratização do ensino,legalização das associações de estudantes,política social escolar,etc....

O segundo passo,bem mais insensato porque se saía do confortável anonimato das assembleias,tomava a forma de "abaixo-assinado".O abaixo-assinado era normalmente dirigido às exmas. autoridades muito embora se desconhecesse o uso que as ditas davam à papelada com que a inundávamos.De uma coisa estou certo - os documentos não sofriam o tratamento que Camilo definia como "passagem ao ventre da mãe terra pelo esófago da latrina que a "benemérita" coleccionava tudo,guardava tudo e,a seu tempo,lembrava tudo.

Em terceiro e último lugar vinha a "manifestação","estádio-supremo" da luta pela democracia na escola e no país. 

Os efeitos práticos destas três formas de luta apenas variavam no grau.Da assembleia apenas cabia denúncia enquanto que o abaixo-assinado já fornecia prova escrita contra o assinante.A manif permitia,além disto,cascar forte e feio no arruaceiro que perturbava a paz e dificultava a circulação de peões e automóveis.

Hoje venho falar-vos de uma manifestação cujo 32º aniversário está próximo.E foi assim:


A 21 de Março de 1962 resolveram as associações de estudantes celebrar,com autorização do então reitor Marcelo Caetano,o Dia do Estudante convocando para Lisboa,e para a Cidade Universitária,estudantes das três academias.

O governo,todavia,entendeu que o professor Caetano se tinha precipitado na sua estouvada concessão e,para dissuadir a estudantada entretanto reunida,despachou para a zona uns centos de caceteiros fardados de polícia(ou vice-versa que na altura a bófia era,como ainda vai sendo,caceteira).

As refregas não se fizeram esperar se por refrega entendermos a imortal expressão brasileira:"Eles atrás e nós à frente;eles dando e nós apanhando!"


Ora foi neste "salta,corre,escapa,zás,catrapás",que a minha querida amiga Eugénia C.,na altura com 16 ou 17 anos corajosos,assediada por 2 ou 3 facínoras fardados,tropeçou e caiu desamparada para a frente em pleno jardim do Campo Grande,deixando desprotegido às sevícias o "bum-bum" que as calças mais faziam sobressair.Ao ver aquele alvo o polícia mais cerca optou,velhaca e friamente,por substituir a coronhada por uma palmada dada com a parte larga da coronha.


A Eugénia uivou de dor e humilhação deixando para os vizinhos e para os pósteros que me lêem este delicado vicentino:"Filho da Puta!".


Embaçado mas com sentido cívico o guarda justiceiro retorquiu "Malcriada".

Publicação devidamente autorizada pelo autor.
De Manuel Heinzelmann,in "a pedra no sapato  a pata na poça" 







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