terça-feira, 13 de julho de 2010

O CACIMBO E O FUTURO

Há 45 anos,mais coisa menos coisa,desembarquei em Luanda como voluntário de guerra...
É estranho,mas acontecia muito nesse tempo.
Com os amigos e conhecidos,acabei por me fixar na Versailles.
Lá estive durante a semana em que cheguei,antes de dar a volta a Angola a pé,e cada vez que tinha oportunidade de ir a Luanda lá estava na Versailles.
De vez em quando,atravessava a rua e assentava arraiais na esplanada da Portugália.
Vem isto a propósito de quê,perguntarão vocês?!
Hoje,aqui na terrinha,no café que frequento assisti a uma manifestação de desagrado de alguns clientes estudantes.
Eles habituaram-se a pedir uma bica e um copo com gelo.
Disseram-lhes que,a partir de hoje,o copo com gelo custaria 10 cêntimos(até aqui era gratuito).
O que faziam os estudantes com o gelo?
Limitavam-se a pô-lo na chávena do café!!!
Na tal Versailles de que falei havia uma coisa surpreendente:quando pedíamos uma cerveja ela vinha acompanhada com um prato de camarão e uma tijela de dobrada com feijão branco.Os acompanhamentos eram gratuitos.Se pedíssemos tremoços aí que era coisa fina!Os tremoços eram pagos e muito mais caros que a cerveja.
Na Versailles tornei-me amigo de um alferes que estava em Luanda há meses,de baixa no Hospital Militar,porque estava cacimbado!
Quer dizer que tinha apanhado muito cacimbo na cabeça e estava maluquinho...
Todos os dias esse meu amigo pedia uma bica bem quente e um balde com gelo.
O senhor Almeida,velho empregado,trazia as coisas mas torcia o nariz.
O meu amigo cacimbado ia pondo pedras de gelo na chávena de café!
Um dia qualquer coisa deve ter corrido mal na vida do senhor Almeida e  ao pedido do meu amigo,empertigou-se:
Para que é o gelo,senhor alferes?
- Para arrefecer o café!
O senhor Almeida lá satisfez o pedido,mas avisou:
Foi a última vez que o senhor alferes gozou comigo!Eu tenho idade para ser seu pai e não estou para aturar cacimbados...
O meu amigo não ligou patavina ao que o senhor Almeida disse.
Foi tomando o seu café ao ritmo das pedras de gelo.
No dia seguinte lá estávamos.
O meu amigo cacimbado fez o seu pedido habitual:
Uma bica bem quente e um balde com gelo!
O velho senhor Almeida,com ar feroz,perguntou:
Para que é o gelo?
- Para arrefecer o café!
O senhor Almeida passou-se e deu com a bandeja na cabeça do cacimbado!!!
A partir daqui as coisas precipitaram-se e,a correr,veio o patrão que queria pôr na rua o senhor Almeida.
Claro que o cacimbado,e os outros cacimbados,não o permitiram e o senhor Almeida até foi aumentado!
É o que dá pedir uma bica e um copo com gelo!
Aí estão os cacimbados do futuro!  

2 comentários:

Anónimo disse...

Enquanto as memórias de guerra vão sendo destas... bem vai a coisa, não é amigo?
O pior é que elas se vão entrosando com outras que doem - isto quando tudo acaba em bem...
mc

aminhapele disse...

Tento,com toda a força,que as memórias só sejam destas...
Um abraço.