quinta-feira, 12 de março de 2009

DIVÓRCIO ENTRE O POVO E OS SEUS MANDATÁRIOS


#Que significa o facto dos lavradores do reino,reunidos em congresso,tomarem em suas próprias mãos o debate e a defesa dos seus interêsses,senão que lhes parecem inadequados e ineficazes os processos constitucionais de representação política?
Efectivamente,quando a gente vê e se convence do que é,quanto vale e para que serve o maquinismo eleitoral parlamentar,é fôrça reconhecer que os lavradores teem razão.
#Que significa o facto dos aplausos com que foi recebida a imagem crua da agricultura entre o comércio e a indústria fazer lembrar Cristo no alto do Calvário?
A comparação é má,porque a indústria e o comércio não são ladrões;mas êste símile injurioso é a expressão imprópria da verdade,quer dizer,que a agiotagem prima sôbre o trabalho rural - como prima sôbre o industrial e o comercial.
#Que significam os protestos ruidosos contra a intervenção burocrática e o pedantismo teórico dos doutores da lavoura?
A apoteose da rotina é sempre contestável.Muito,muitíssimo há que fazer por parte dos lavradores;mas por parte do Estado cumpria que houvesse discernimento,e não se confundisse o gastar dinheiro às tontas com o proteger e defender a agricultura.
E os protestos querem dizer mais:exprimem o velho sentimento do país perante os enxames burburinhantes das colmeias burocráticas.No tempo de D.João V,o ministro Alexandre de Gusmão,um dos precursores de Pombal,apertava as mãos à cabeça exclamando:"A fradaria mata-nos!".Mude-se o nome,fica a mesma cousa.
Ora agora somemos tudo:a desordem política,a agiotagem absorvente,as quimeras teóricas,a burocracia parasita - e aí temos as convicções dos lavradores,principalmente na metade sul do país.
Na metade norte,a população densa,a propriedade retalhada,a vida democrática e o véu espesso do nevoeiro de ideas indefinidas,deram ainda há pouco de si uma agitação perante a qual o govêrno oportunamente recuou.
De um lado opiniões,do outro confusão;de um lado tumulto,do outro uma assemblea inspirada nos seus interêsses colectivos,funcionando ao lado do parlamento,onde os intrêsses políticos passam adiante dos da nação.De ambos os lados o divórcio entre o povo e os seus mandatários.
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De Oliveira Martins,in Reporter,22-II-88
Há mais de cem anos já era assim...