quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Vamos apostar em PORTUGALIDADE?



Num momento em que a história assiste à entrada em cena de potências emergentes como o Brasil, a China, a Índia, o Irão ou a Venezuela, ... a sociedade volta a esperar – e temer – as conjunturas de mudança que a tendência para a acomodação teima em nem querer sequer antever. Acredito que o Portugal do pós-25 de Abril, o Portugal pós-moderno, se acomodou a um sentimento colectivo de “má consciência de si”, cristalizado em expressões recorrentes de um crescente individualismo como, “Só neste país...”, “Temos pena!” ou “Enquanto estamos assim, não estamos mal; podiamos estar pior!”. Esse cepticismo negativista explicará que se estranhe (custa a entranhar, a mudança...) a situação de um poder político que se apresenta "obsessivo" na afirmação um discurso que apregoa o sucesso nacional, a nível interno e externo.

Desde o fim da EXPO 98, que não se ouviam palavras destas a um governo. Estas palavras, ditas nessa altura e exactamente nesse período, granjearam o aplauso popular uníssono, mas só até à afirmação do "pântano" que se lhes seguiu... Voltaram o desânimo e o descrédito, no país em geral e na classe política em particular. O célebre computador Magalhães (e todos os outros computadores que, não sendo "produção portuguesa", fazem parte do plano tecnológico idealizado) surgiu artisticamente embalado num discurso identitário em que as palavras-chave são Inovação & Tecnologia. Todos – o 1º ministro, o presidente da república, os ministros e secretários de estado – têm o Plano Tecnológico na ponta da língua. Nem a oposição teve coragem – porquê? como? – para resistir a tão brilhante ideia, limitando-se a denunciar os contratos por ajuste directo a uma empresa feita para o efeito. (Fica-se sempre com a impressão que tiveram pena de não ter sido a empresa deles...). Não é a primeira vez que os governos procuram responder com desenvolvimento tecnológico (ou "progresso e modernidade") a situações de desastre económico. Quase sempre as mudanças surgem como resposta a situações de crise, mas só se instalam e frutificam quando são desejadas e compreendidas como desejáveis por uma maioria. A tecnologia produz receitas ao ser vendida e gera empregos ao ser produzida, mas só quando for manipulada por aqueles a quem se destina será útil. E só quando se revelar útil será aceite e desejada. Terão sido criadas as condições necessárias para que isso aconteça?

A incongruência dum discurso de sucesso surgido no âmbito de uma conjuntura de crise pode explicar-se por não ter havido o cuidado de alicerçar os números que justificam a eficácia do programa tecnológico na reconstrução duma imagem que contribuisse para enraizar uma nova noção de PORTUGALIDADE, neologismo que foi necessário criar para fugir aos traumas deixados pela eficácia da propaganda nacional do Estado Novo. Desde o 25 de Abril de 1974, nenhum governo ousou mexer nesta ferida aberta e as noções foram enterradas sob o termo pejorativo de Portuguesismo.

Ao contrário de outros, a pós-modernidade portuguesa parece ter optado por se afirmar apenas pela negação dos anteriores discursos identitários, nada tendo produzido em sua substituição... e talvez esse facto justifique a “má consciência de si” dos portugueses e uma certa tendência para o “deixa andar” e para a demarcação individual face a um colectivo aparentemente esvaziado de conteúdos. José Gil caracterizou recentemente a forma como este fenómeno se traduziu num medo de existir nacional.

O Europeu de Futebol fez o que nenhum governo antes ousou: pedir à população que voltasse a aprender o Hino Nacional, sem temer as conotações de belicidade colonial; fazer com que a bandeira deixasse de ser recusada como foleira e renegada logo à primeira vista. As Tecnologias de Informação fizeram o resto e uma Portugalidade, ainda sem conteúdos definidos, parece ter voltado a imbuir a cultura popular dos portugueses.


No fio condutor destas mudanças, a Iniciativa Magalhães pretende suscitar o desenvolvimento económico, tecnológico e profissional da população portuguesa, combatendo a info-exclusão como factor de competitividade nacional. O balanço recente de 4 anos de agenda tecnológica anuncia, em números, o sucesso alcançado: 1,5 milhão de portáteis entregues à população em geral e 500.000 Magalhães entregues nas escolas públicas ou privadas do ensino básico. Tudo gratuito ou a baixo custo e dotado de Banda Larga móvel. Uma versão do Magalhães está a ser estudada para a camada sénior da população e já foi anunciada a continuidade destes programas ao nível do ensino básico, com a previsão de outras 100.000 entregas em 2010. A pensar numa geração de pequenos descobridores de um Portugal inovador a navegar na Internet.

A mensagem não é inovadora... Reutilizam-se as atribuições identitárias do Portugal das Descobertas, mais uma vez sem se investir em (re)conhecimento da história e cultura nacionais. E, no entanto, esta será a grande oportunidade para o reconstruir de uma nova imagem de si! Numa sociedade de informação em que conhecer e ser conhecido são factores vitais para justificar o direito de ser "um" ( diferente de "mais um"), a cibercultura é um meio privilegiado de transmissão de mensagens identitárias. É essencial que Portugal se afirme e se reconheça pela diferença de ser, quer o pequeno país antigo descobridor de novos mundos para o Mundo, quer o criador da Lusofonia. Chávez, por exemplo, ao introduzir o programa da info-inclusão na Venezuela, baptizou-o de Canaima: um parque natural venezuelano, património da humanidade (Magalhães é conhecido como espanhol). Está a dotar esses computadores de um software livre, especialmente adaptado à realidade dos utilizadores venezuelanos. O investimento em cultura identitária é muito mais consciente e profundo. Porque terão os governos de tendência totalitarista uma noção tão consciente da força dos valores culturais? [pergunta tendencialmente retórica...]


Os jovens com menos de vinte anos já não se lembram como é o mundo sem internet... um mundo que personalizam à sua medida, entre triliões de escolhas possíveis sobre os mais diversos assuntos em diferentes línguas. Neste mundo, o conhecimento é cada vez mais encarado como uma de muitas formas de consumo: a cultura é cada vez mais cibercultura, ...uma cultura light à medida de todas as vontades calóricas. Neste contexto, as tecnologias de informação são um veículo priveligiado de dinamização e comunicação cultural e a disponibilização de computadores portáteis a um universo populacional alargado deve ser entendida como A OPORTUNIDADE DO SÉCULO na formação cultural, ultrapassando o potencial puramente pedagógico (... e demagógico) que se apregoa. O enraizamento cultural crítico e esclarecido deve ser perspectivado como o anverso da moeda em que o verso é a info-inclusão, ferramentas essenciais da competitividade. A democratização do acesso à sociedade de informação contribuirá, seguramente, para uma agenda de mudança da sociedade portuguesa. Talvez represente o epílogo do livro que narra as diversas mudanças lentas da evolução cultural e das mentalidades, na sequência lógica do último capítulo, em que se descreve a aceleração do tempo e e efemeridade do espaço que caracterizam a pós-modernidade... Até que ponto estarão TODOS conscientes do potencial da INICIATIVA MAGALHÃES e de como pode ser, simultaneamente, o fogo roubado no Olimpo por Prometeu e a caixa de Pandora?

2 comentários:

aminhapele disse...

Belíssimo texto,Maria.
Esta versão está mais rica e mais esclarecedora que a original.
Gosto de ver a nossa bandeira,descomplexadamente,sem associação de "nacionalismos" irracionais.
Gosto da bandeira e gosto do meu País,com todas as suas glórias e misérias,com o bom o mau e o assim-assim,espelho de qualquer português.
Não compreendo os compatriotas que nos querem "mostrar" como pequeninos,pobrezinhos,infelizes,coitados...
Estamos a avançar,devagar mas a avançar.
Porque não havemos de apostar na Portugalidade,se essa é a nossa verdadeira riqueza?!
Beijo grande,minha querida.

cota13 disse...

Um bom tema, escrito duma maneira simples, mas preciso e conciso.
Obrigado MARIA.
Um Abraço.
Dias.