sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

MÚSICAS NA PASSARELA: A BELA DO DIA



PASSOCA - MODA DA PINGA

Composição: Ochelsis Laureano


Com a marvada pinga

É que eu me atrapaio

Eu entro na venda e já dou meu taio

Pego no copo e dali nun saio

Ali memo eu bebo

Ali memo eu caio

Só pra carregar é que eu dô trabaio

Oi lái!

Venho da cidade e já venho cantando

Trago um garrafão que venho chupando

Venho pros caminho, venho trupicando,

Xifrando os barranco, venho cambetiando

E no lugar que eu caio já fico roncando

Oi lái!

O marido me disse, ele me falo:

"largue de bebê, peço por favô"

Prosa de homem nunca dei valô

Bebo com o sor quente pra esfriar o calô

E bebo de noite é prá fazê suadô

Oi lái!

Cada vez que eu caio, caio deferente

Meaço pá trás e caio pá frente,

caio devagar, caio de repente,

vô de corrupio, vô deretamente

Mas sendo de pinga, eu caio contente

Oi lái!

Pego o garrafão e já balanceio

que é pá mor de vê se tá mesmo cheio

Não bebo de vez porque acho feio

No primeiro gorpe chego inté no meio

No segundo trago é que eu desvazeio

Oi lái!

Eu bebo da pinga porque gosto dela

Eu bebo da branca, bebo da amarela

Bebo nos copo, bebo na tijela

E bebo temperada com cravo e canela

Seja quarqué tempo, vai pinga na guela

Oi lái!

Eu fui numa festa no Rio Tietê

Eu lá fui chegando no amanhecê

Já me dero pinga pra mim bebê

Já me dero pinga pra mim bebê

Tava sem fervê

Eu bebi demais e fiquei mamada

Eu cai no chão e fiquei deitada

Ai eu fui prá casa de braço dado

Ai de braço dado com dois sordado

Ai muito obrigado!


Quando li a postagem do Rui Lucas chamada DESCAIPIRADA, na Marmita Filosófica, me enchi de brios! Como esse camarada, Nuno Pacheco, jornalista da matriz, sabe mais coisas sobre o xarope-dos-bebos do que eu, legítimo descendente dos criadores da teimosinha? Vou ter que reagir, a honra etílica nacional está em jogo! E botei logo uma dose de abrideira pra me inspirar e escrever sobre nossa espiridina, patrimônio científico, econômico, cultural, esportivo e espiritual do Brasil!

No segundo gole da santinha o efeito já começou a aparecer, me acalmei com a lembrança da gravação acima de Moda da Pinga, de um grande cantor e compositor paulista chamado Passoca, que, junto com o J.C.Mello e alguma jurupinga compuseram a música Perna Curta, cuja letra e arremedos eu coloquei anos depois, em 1977. Você pode ouvir o resultado no dial à direita, no seu vídeo. Essa gravação de Moda da Pinga, que Passoca traduziu para o masculino, está no disco BREVE HISTÓRIA DA MÚSICA CAIPIRA, ao lado das melhores canções sertanejas de raíz, com arranjos preciosos e delicados. A gente ouve o disco como se estivesse na varanda da casagrande de qualquer fazenda desse brasilão: um cantor, uma viola caipira, um violão e o resto é bijuteria, que tanto pode valorizar como desandar o trabalho. Como na confecção da famosa caipirinha: coloque uma boa dose de limpa-olho, um limão, açúcar e gelo. Cabe mais alguma coisa? É claro que sim, mas só aconselho o gengibre, em dose homeopática, para não virar uma caipira de gengibre. Se fizer com rum, vira “caipiríssima”. Com vodca vira “caipirosca”. Tem também “caipisaquê”, “caipinhaque” e até “caipicolé”, num bar que abriu bem aqui na esquina – o barman taca um picolé dentro do copo, pra donzela ficar se deliciando enquando endoida. Mesmo com todos esses apelos marketingueiros, o nome caipirinha reina absoluto com qualquer brendi, no mundo inteiro.

Rola por aqui uma pequena lenda sobre o nascimento da canjebrina que o nosso Nuno não incluiu em seu artigo: quando os escravos mexiam o tacho que fervia a cana-de-açúcar em fogo brabo, para fabricação da rapadura, poderosa até hoje nas mesas nordestinas, a fumaça que subia ficava retida no telhado e logo começava a pingar uma água que lhes ardia nas costas. Essa água que passarinho não bebe recebeu logo o nome de água que arde, aguardente. O dia em que um deles, cientista nato, experimentou, pronto. Foi a segunda descoberta do fogo!

Os donos das fazendas logo quiseram saber: que água-lisa era aquela que os serviçais tanto escondiam para beber nas noites de cerimônias de suas crenças ou de suas danças para saudar a terra de origem e manter sua cultura e tradição? Pois até hoje a santa-maria acompanha todas as seções das religiões afro-brasileiras e as rodas de samba. As igrejas ocidentais e acidentais continuam com aquele vinhozinho da missa. Já não sei de nada quanto às sacristias ou secretarias... Os donos de engenhos passaram a beber no final do dia, logo passaram pro horário integral. Até hoje o costume continua, só que com o nome de repiáuer. Naquele tempo, inglês era língua de pirata.

A maria-teimosa também atravessou os séculos curando diversos males e temperando milhares de pratos da culinária nacional. Será essa a origem verdadeira da nossa champanha-da-terra? Aquela água que pingava nas feridas dos negros? Impossível saber a nascente desse rio que desce queimando e sobe amaciando o mundo. Só sei que hoje, depois de desprezada por séculos em seu próprio país, a urina-de-santo é mais do que uma bebida, já é um produto rentável da cultura brasileira. Talvez agora a gente possa se orgulhar de nosso alpiste, juntando o nome à origem, como nas bebidas do primeiro mundo: vinho francês, vinho do Porto, uísque escocês, vodca russa, cerveja belga, saquê japones e... Cachaça Brasileira!

Obrigado Rui e Nuno pela inspiração. Graças a ela produzi o vídeo que acompanha essa falação. Poderia ficar dias aqui escrevendo sobre a nossa virgem sem repetir nenhum de seus nomes, mas está na hora da saideira. Prometo pesquisar mais um pouquinho sobre alguns custumes que envolvem nossa mulatinha, como dar o primeiro gole pro santo.

Salut e Amém!


2 comentários:

aminhapele disse...

Boa malha!
Só um reparo: o Nuno é Pacheco e não Velouso.
Um abraço.

aminhapele disse...

O corrector funcionou!
Um abraço.