sábado, 7 de agosto de 2010

A LAGARTIXA BOÊMIA

Fiquei interessado na prosa do amigo Rui Lucas sobre as osgas. Reconheci o bichinho como primo-irmão das nossas lagartixas aqui do Cunhadão. Aqui, como aí, a maioria das pessoas não se dá bem com lagartixas. As lendas sobre elas ultrapassam a nossa imaginação, mas a que considero mais interessante é a que diz que as lagartixas ficam andando pelo teto esperando a gente dormir. Quando abrimos a boca para roncar elas nos despencam goela a dentro. Outra é a de que não devemos mata-las porque quando seu rabinho fica dançando separado do corpo é porque está xingando a nossa mãe! Eu era um exterminador do futuro das lagartixas e seus primos camaleões e lagartos. Em pleno Leblon, hoje a coqueluche imobiliária do Rio de Janeiro. Chega me deixar com tosse... Mas o que os répteis acima mencionados tem a ver com assunto tão diverso?Vamos lá: o conjunto residencial que hoje atende pelo nome mercadológico de Condomínio Jardim de Ala era cercado de favelas quando fui morar lá, no alvorecer dos anos 60. As favelas foram sendo retiradas para ocupar a Cruzada São Sebastião, um conjunto residencial construído logo atrás. Entre os dois empreendimentos imobiliários tem uma pedreira, onde moravam diversas espécies de répteis, como lagartos e camaleões. Faziam parte de um complexo ecológico que, juntamente com os pássaros e alguns pequenos roedores, com predominância dos ratos, tinham alí seu habitat natural. Nós, adolescentes moradores do Condomínio Jardim de Ala, tínhamos naquela época alguns esportes que hoje em dia ganharam status e nomes dificeis de pronunciar, mas conhecíamos como escalar pedreiras, arco-e-flecha, tiro ao alvo (com espingardas de chumbinho), pegar jacaré, nadar até o Arpoador - digo logo que nunca consegui passar do posto 9 - regatas com bóia de câmera de pneu de caminhão, etc. Além do tradicional Futebol de Botão e das bolinhas de gude. Éramos exploradores das praias e daquela savana em cima da pedra. Nunca consegui escalar até lá em cima, subia por um dos lados, uma espécie de ladeira natural que nos servia de caminho para observar meninas saindo do banho. Geração precoce...
Voltando à vaca fria, as lagartixas eram abundantes no nosso prédio. E eram alvo para nossas disputas de pontaria, assim como os lagartos e camaleões que tomavam banho de sol na pedra e precisávamos de visão aguçada para descobri-los. A sorte era que eles gostavam de mudar de lugar, talvez para ir ao banheiro. Então, tínhamos alguns segundos para atingi-los com qualquer coisa que tivéssemos na mão: espingardas, atiradeiras, pedras... Quem acertava um ganhava pontos na hierarquia da molecada.E daí? Daí que a pedreira foi vendida e sobre ela foi construído o Shopping Leblon. Que conseguiu transformar o pacato bairro de final de litoral em inferno urbano. Gente pra todo lado, imóveis super-valorizados, moradores de rua, camelôs, ruas entupidas de carros, ônibus, caminhões e táxis. Tá certo que em matéria de comércio e cultura melhoramos um pouco, mas se
ganhamos livrarias, perdemos cinemas, quitandas viraram supermercados, pequenos serviços disponíveis a cada esquina estão dando lugar a lojas de roupas, farmácias ou botequins paulistas. Hoje, nos 15 quarteirões da Avenida Ataulfo de Paiva, a principal do bairro, sobrou apenas uma padaria de verdade, que até já andou fechada pelos fiscais da Saúde Pública. Ao seu lado temos uma delicatesse de pães, não se pode chamar de padaria. É uma delícia mas não é uma padaria! Não tem sonhos de creme! E diversos cafés. E farmácias. E sorveterias de iogurte. O Shopping Leblon trouxe para cá as mais famosas grifes do mundo da moda. Os "tênis de marca", que já foram motivo de assaltos a crianças. Os motoristas engarrafando o bairro atrás de uma vaga para deixar sua arma, quer dizer, seu automóvel. O Consumidor tem dinheiro para vir de carro mas não quer pagar o estacionamento dentro do shopping. Fica vagando e atravancando as ruas. E o mais incrivel de tudo isso, é que o bairro que era basicamente de casas, ruas residenciais, pequenos comerciantes que, geralmente, eram também moradores, virou o metro quadrado mais valorizado do Rio de Janeiro, a praia mais cheia, as lojas mais caras... Mas continua ótimo.
Esta semana refiz a trilha da madrugada, visitando os bares que sobraram e que há muito tempo frequento, agora mais de dia do que de noite. E foi a mesma delícia de 40 anos atrás! Guiado por um bebunzinho, grande músico que conhece todo mundo, descobri que ainda tenho conversa para muitas madrugadas, com muitos malucos que frequentam o lado oculto da Lua. Num dos bares percebi uma lagartixa na parede. Não disse nada pra ninguém, poupei sua vida. Mas ai dela se caisse no meu copo de chope! O Leblon dos anos 60 - www.almacarioca.com.br

2 comentários:

Beth/Lilás disse...

Ah, que saudades daqueles tempos tranquilos desde o Leblon até a zone norte do Rio!
Lagartixas sempre me fizeram medo, sei lá, um nervoso estranho, parecem que vão despencar sempre em cima da gente. Hirrc!
Belo texto!
bjs cariocas

aminhapele disse...

Mais um belíssimo texto,querido amigo.
Peço-te desculpa pela falta de notícias.A preguiçar,na Póvoa de Varzim,resolvi dar alguns dias férias ao teclado.
Amanhã ou depois regressarei à actividade mínima.
Um grande abraço.