segunda-feira, 24 de novembro de 2008
CAMILLO E O IMPERADOR DO BRASIL/O bom café e os imperiaes versos
Nem Camillo nem o Imperador deviam olvidar essas duas horas de visita em 1872,á casa de S.Lazaro,no Porto,onde o romancista acolheu o monarca.
Dizem que alem da dedicatoria do Livro de Consolação lhe sacrificou ainda uma obra que estava escrevendo e na qual se bulia com a casa de Bragança colocando,em baixo mister uma bastarda de D.Miguel I.
Esse livro intitulava-se A Infanta Capelista e acrescenta-se ter D.Pedro II solicitado o obsequio de deter a sua composição.Não é crível que ali,deante do poeta Guilherme Braga e de José d'Azevedo,o monarca falasse no caso.Pelo menos o sobrinho de Camillo,meu grande amigo,e com o qual varias vezes discreteei sobre o romancista celebre e uma dellas em Cascaes - em casa do conde de Castro Guimarães,onde tinhamos ido ver o celebre quadro da marquesa de Tavora e almoçar - não tinha aquella impressão.Como na villa realenga estiveram estabelecidos outr'ora parentes de Camillo,a conversação alargou-se e,deante das aguas vastas do mar,azues palhetadas d'oiro,nessa tarde de junho,a palavra bem cortada do conselheiro José d'Azevedo Castello Branco,fez uma serie de revelações sobre o seu illustre tio.
A Infanta Capelista,devia pertencer á série dos volumes que o grande homem de lettras dedicava ao que chamava as suas "carícias á Casa de Bragança",contra a qual,na pessoa de D.Luiz - a quem depois devia render tantas homenagens - armasenava coleras.Sabe-se o que era a susceptibilidade camilliana,o seu poder de investida,a sua rapidez no assalto,a sua furia na desafronta e tambem a celeridade com que se fundiam essas raivas ao menor passo dado pelo adversario em direcção ao romancista ou à mais singela caricia feita ao seu orgulho.
Elle tinha,pois,um motivo de desgosto contra o rei e tudo quanto o pudesse molestar lhe devia convir.Porem naquella epoca,da visita do imperador brasileiro,que lhe afagára a sua vaidade ante o Porto odiado,Camillo mudára,o que nelle era prestamente resolvido.Talvez pensasse não ser D.Miguel o alvo mais apetitoso para seus doestos e que D.Luiz representava o ramo vencedor do principe ao que elle outr'ora - ahi por 1852 - chancàra o seu rei em versos enternecidos.
Disse vagamente,o que se lhe oferecia sobre o assumpto numa carta íntima,a ultima por signal,escrita ao seu grande amigo dr. José Vieira de Castro,condemnado a degredo por ter assassinado a esposa ao topa-la escrevendo uma carta ao seu íntimo José Garrett.
A Infanta Capellista ha muito que está desfeita,a consciencia entrou-me pela algibeira.Perdi muito,cavei difficuldades,mas sinto-me bem comigo.
Acordára nele essa ideia de que um rebento regio duma raça vencida não era a melhor setta para o seu arco de corda retesada,que tencionava disparar sobre o trono do triunfador.
Camillo continuava na mesma carta:
Escrevi,depois,um romance que te hei-de enviar no proximo paquete,intitulado o "Carrasco de Victor Hugo José Alves".Aproveitei grande parte da "Infanta",tudo o que na embarrava pelo trono;mas ainda assim não lhe expungi algumas ironias que hão-de custar injurias dos abjectos que são aos cardumes á volta do rei.
Nessa epoca já Camillo aspirava ao titulo de visconde que pedia invocando os filhos,aos quaes a honraria não adeantava.É que não se julgava inferior a Garrett e a Castilho nobilitados,a Herculano repudiador das graças reaes.
D.Pedro d'Alcantara não teria interferido directamente no assumpto da destruição das folhas da Infanta Capellista mandadas logo para casa do barbeiro do escriptor,o qual as venderia á mercearia.Não durou muito tempo a hesitação.As paginas do novo livro O Carrasco de Victor Hugo José Alves são as do romance,desarestadas dos sarcasmos,e ele não faria tal se o tivesse prometido ao seu real visitante.Houve quem julgasse tambem,ter sido Anna Placido a dissuadi-lo da continuação da obra,tal como se encontrava,no receio de o ver enclausurado;mas não deve ser ainda esse o motivo da modificação,pois se tal lhe dissessem a prevenção seria o incentivo a maior ataque.
O que elle fez na realidade,foi desbastar tudo quanto pudesse ferir de perto a prosapia real deveras maltratada em seus ascendentes aos quaes capitulava de tudo quanto era mau apresentando - pela boca duma personagem - Portugal "expiando os crimes da Casa de Bragança,alfobre de vicios selvagens,de tragedias sanguinarias,de vilanezes rapacidades".E acrescentava que Nun'Alvares Pereira,o santo,havia sido um façanhudo caudilho de scelerados antes de casar com uma senhora rica do Minho que o afazendou bastantemente para poder alliar uma filha com o neto do deshonrado Barbadão.
Eis uma amostra da prosa vincada na obra que mandára inutilisar publicando outra sobre a mesma bastarda do rei D.Miguel,mas sem maguar tão rijamente os seus avoengos.
...
Texto de Rocha Martins,publicado na revista PORTUGAL,em Setembro de 1924
Imagens da Casa da rua de S.Lazaro,no Porto,onde o imperador visitou Camillo pela primeira vez;autographo do soneto offerecido pelo imperador a Camillo;Casa de Barjorna de Freitas,em Lisboa,onde o imperador visitou Camillo pela segunda vez.
CONTINUA
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