terça-feira, 11 de novembro de 2008

OBAMA "Não,não podiam"


Este artigo de Nuno Pacheco,publicado no P2 de ontem,é uma das melhores análises que li,até hoje,sobre a vitória de Obama.
Aqui fica,pois:
Calhou ouvi-lo tocar em Lisboa naquele dia e foi estranho.Agarrado ao saxofone,tem hoje 78 anos mas parece que ainda ecoa com o mesmo grito."Um gemido africano",como alguém escreveu há muitos anos,quando Ornette Coleman tocou pela primeira vez em Portugal.Foi numa quinta-feira,25 de Novembro de 1971,e estávamos na primeira noite do 1ºFestival Internacional de Jazz,no já defunto pavilhão do Dramático de Cascais.Tocara Miles Davis,tocaria ainda Dexter Gordon.Mas entre os dois,Ornette electrizava a plateia com as ousadias do free.Jazz,bem entendido,porque "free" era coisa que faltava à época e não só por cá."Quem é que não sentiu um nó na garganta com a violência(negra) do quarteto de Ornette?",interrogava o Diário de Lisboa em 1971.E quem não o sentiu agora,ao ouvi-lo tocar no dia seguinte à vitória de Obama?
É certo que Ornette não é Ann Nixon Cooper,106 anos,nascida uma geração depois da escravatura,dada como exemplo por Obama no discurso da vitória como alguém que no seu tempo não podia votar porque era mulher e porque era negra.Nem Gertrude Baines,114 anos,filha de escravos,que votou agora num homem de que esqueceu o nome para que houvesse pela primeira vez uma colored person no topo da Casa Branca (a história do Los Angeles Times,era contada na Pública de ontem).Mas Ornette viveu o suficiente (ainda vive) para sentir na pele o segregacionismo,a humilhação de ter de entrar nos clubes onde tocava pela porta das traseiras,o tempo em que ter a pele mais escura implicava viajar na parte de trás dos autocarros.O tempo em que se achava natural a supremacia branca e até ter um apartheid em plena África.
Obama usou como palavra-chave da sua campanha o Yes,we can.Talvez para deixar claro que houve um tempo em que negros e mestiços ouviam "Não,não podem".Pois isso mudou.E se o racismo não acabou ainda,há outras maneiras de lidar com ele.Por estes dias,o rapper negro Soulja Boy veio agradecer à escravatura o ter permitido aos negros sair de África.Um choque.Mas Carlinhos Brown,baiano e mestiço,já tinha agradecido à colonização portuguesa,uns anos antes,a miscigenação brasileira.
"Portugal pode ter sido um grande bem para a cultura negra;e isso ainda vai ser percebido",disse ele em Lisboa,em 1999,e não houve escândalo nenhum.
Obama,por sua vez,ao falar há dias do cão que prometeu comprar às filhas quando forem para a Casa Branca,disse que a sua vontade era ir a um canil buscá-lo."Porque ali muitos cães são rafeiros como eu",disse ele.Um insulto?Não,uma serena vingança (Berlusconi chamou-lhe "bronzeado"),mas ninguém disse que todos os presidentes dos EUA foram até agora euro-americanos.
Para terem um presidente realmente americano,teriam de eleger um sioux,um comanche ou um cheyenne,se ainda restasse algum em estado puro...
Mas com a miscigenação a triunfar sobre as raças,talvez este homem que tem em si a grandeza de quatro continentes seja o que aparenta:um grande Presidente.

2 comentários:

Beth/Lilás disse...

Obama é o máximo!!!
Trabalhou muito antes de ser Senador em trabalhos de cunho sociais e conhece muito a alma do povo.
Faço parte da Obamamania agora.
abraço carioca

Anónimo disse...

Também li e também gostei.

Aliás, esse director adjunto do Público é um dos bons jornalistas que o jornal tem.

mc