domingo, 4 de maio de 2008

BOCAS

Às vezes não reconheço sua boca nas perguntas que ela me faz. É como se tivesse alugado uma boca capaz de perguntar qualquer coisa. Ou freqüentando um curso de perguntas para investigações conjugais. Ou extraconjugais. Ou desconjugais. A professora diz:

- Pergunte a ele por que não gosta de sair de mãos dadas com você.

Essa pergunta não é dela, sempre andamos, simplesmente. Mãos dadas ou não. Agora estou conseguindo não olhar para trás quando cruzo com outra mulher. Era adestrado a isso. Tive torcicolos, tropecei em maridos irados que vinham atrás com as crianças. Derrubei camelôs. Agora sou mais cruel: olho-as de frente, nos olhos. Apesar de usarem decotes, miro nas retinas. Não podem reclamar. Mas vão aumentar os decotes.

Olhos são todos iguais, como os homens. Menos alguns e esses são os perigosos. Como os homens.

- Estava lá até agora?

Pequeno frasco de perfume: pergunta que deixa no ar o aroma da desconfiança. Devemos nos preparar para ela. Não existe resposta exata: sim ou não jamais vão responder. Quem tem a chave guarde a sete chaves, escreva um livro, uma peça, um filme. O que deve ser evitado: detalhes, nomes femininos, aventuras improváveis, mas tudo é talvez. Depende da boca.

- Está tudo bem com a sua mãe?

Pergunta psicanalítica, não é a especialidade. Boca emprestada! Vai ter que devolver na segunda-feira. Essa é mais fácil, relate todas as fofocas da família por parte do pai, que mora no interior. Fale sobre o primo de 15 anos que engravidou a empregada.

- Quanto foi o jogo?

Sempre zero a zero. Como disse o ganhador do moto-rádio:

- O empate até que foi bom. Melhor do que perder.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sem dúvida um bom cronista.
Muito boa prosa a sua, Gerson.
moitacarrasco