quinta-feira, 29 de maio de 2008

O PIOR CEGO

Rui Lucas me pergunta, diretamente da Terrinha, por que o Fernando Henrique, guarda-valas tricolor, não chega à seleção brasileira? Eu respondo: quem sabe no dia em que for contratado por um clube europeu? Comecei a reparar em goleiros no tempo do Castilho, o maior herói tricolor, superior ao Rivelino, ao Assis (Carrasco do Flamengo), ao Renato Gaucho, que já chegou aqui em final de carreira, só pra dar para a gente o título do ano do centenário rubro-negro. Castilho tinha carisma, era totalmente identificado com o Fluminense, por quem perdeu seu dedo mínimo esquerdo: contundido pela quinta vez, o médico disse que deveria passar por dois meses de tratamento - ele preferiu amputar o dedo. Duas semanas depois da operação ele já voltava a jogar pelo Fluminense. Durante toda a minha vida acreditei que essa mutilação tinha sido conseqüência de uma bomba violenta do alvinegro Quarentinha, que esmagou seu dedo contra a baliza. Mais romântico e cruel, mas puro sonho juvenil, exemplo implacável de amor à camisa, coisa de adolescente dos anos 60, impensável nesses tempos atuais, de tráfico de jogadores, de seleções-vitrines, de farinha muita meu pirão primeiro. Voltando ao santo arqueiro: durante sua carreira jogou 696 jogos pelo Fluminense, um recorde absoluto neste clube. Lá sofreu 777 gols e somou 255 partidas sem bola na sua rede. Entrou para a história como um goleiro milagreiro, fazendo defesas impossíveis. Ele dizia ter uma inacreditável boa sorte. Por causa disso, seu apelido era Leiteria (comum a pessoas que tinham sorte na época) e os torcedores do Fluminense o chamavam de São Castilho. Na década de 50, ele e o afro descendente Veludo disputavam a posição de goleiro titular no clube e na Seleção Brasileira - os dois foram convocados para a copa de 54. Só acompanhei visualmente o Castilho como atleta nos dois últimos anos - pendurou as chuteiras em 64 - quando ganhei idade e corpo para freqüentar o Maracanã - e aprendi que todo bom goleiro, por mais competente que seja, toma seus frangos. Castilho não era exceção, como Veludo, Felix, Taffarel, Dida e Julio Cesar. Fernando Henrique também toma os seus, mas faz defesas impossssssíveis, como ontem. Utiliza também os pés, o corpo e as balizas com total liberdade, beirando a promiscuidade. Numa cara de pau impressionante, não tem medo de ser feliz. O resultado do jogo de ontem foi responsabilidade direta do trabalho dos goleiros: Fernando Henrique fechou o gol (abriu a leiteria, como se dizia no tempo do Castilho) e o tal de Migliore tomou um frango de fazer canja com todos, como dizem aí pela terrinha. Juntamente com Riquelme e os dois Thiagos, Fernando Henrique foi o destaque do jogo e demonstrou ser digno representante da tradição de goleiros tricolores. Quanto ao jogo, digo apenas que foi uma experiência interessante encarar o grande Boca Juniors e sua torcida fanática e, como em todo fanatismo, dona de uma cegueira crônica: seu esquadrão resume-se ao meio de campo - Riquelme, realmente, o maior jogador argentino desde Maradona, consegue desestabilizar qualquer governo, quer dizer, qualquer defesa adversária, não apenas com seu faro de artilheiro – fez dois gols - como na armação e serviço aos companheiros de ataque. Colocou-os diversas vezes de cara com Fernando Henrique. Seus cabeças-de-área ou volantes, como dizem hoje, também são muito bons, dominam o meio de campo. Mas a defesa e o ataque do Boca é formado por jogadores medianos ou até verdadeiros pernas-de-pau, como o goleiro, os dois beques centrais e o artilheiro Palermo, que gosta muito de falar, mas na hora h, falhou, tanto no ataque quanto na marcação, ao deixar Thiago Silva cabecear sem incomodar.O Boca Juniors impressiona pelo volume de jogo – em certos momentos parece que tem mais meio time em campo. Vão pressionando e correndo alucinadamente, proporcionando ao maestro Riquelme o apoio necessário quando muito marcado ou o espaço para armar e concluir seus lances perigosos. Isso funcionou até conseguir o segundo gol, quando o Fluminense, ao invés de se retrair ainda mais para evitar um placar elástico, passou a pressionar novamente, obtendo o empate. Os xeneizes não tinham mais pernas pra correr, fizeram todas as substituições e o placar me pareceu justo, pelo Riquelme e pela perseverança tricolor. Só não viu quem não quis. Acho que respondi ao meu paciente correspondente d’além mar.

2 comentários:

aminhapele disse...

Respondeste e bem,Gerson.
Quanto aos novos argentinos,vai vendo um miudo que se chama Messi e joga no Barcelona.
Um abraço.

Anónimo disse...

Seu Gerson não daria uma boa perninha num relato?
E que tal uma crónica num periódico lá do sítio? Ai dava uma boa grana!

Nem sei bem de que confronto se tratava em concreto (entre que times)... Só sei que vi o jogo todo nesta crónica.
(E até fala em beque - como nós dizíamos quando éramos meninos...)
mc