sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

EXPORTAÇÃO DE GADO HUMANO PARA O BRASIL


" Não se reza a Santa Bárbara senão quando há trovões.Agora que os vapores sáem atulhados de gente,tôda a imprensa clama que isto assim não pode ser,que o sangue português se escoa,que se despovoam os campos,que a agricultura,ou definha com a alta dos salários,ou,arruinada,impele os lavradores a emigrar.
Êstes clamores veem assim isocrònicamente,à maneira do que há tempos sucedia com o saneamento do capital,ordem-do-dia dos verões,depois da crise política que era a ordem-do-dia de tôdas as primaveras.
Só quem nunca se demorou um instante a reparar nas condições da sociedade portuguesa se pode espantar de que a emigração seja nela uma moléstia crónica e pronta a tornar-se aguda sempre que surge qualquer incidente. E agora são tantos!
É a filoxera que nos devasta as vinhas,é a moagem que guerreia o trigo,é a hipoteca arruinando a lavoura de mãos dadas com fisco,é sobretudo e finalmente a coincidência do retraimento nas despesas de obras públicas com a propaganda de engajamento fomentada pelos fazendeiros do Brasil,que já não teem escravos.
Quem ignora que de tôdas as nossas exportações a mais importante (excluindo os papeis de crédito,ou títulos de dívida) é a que fazemos de gado humano para o Brasil?
Quem desconhece já que morreríamos de fome,se não fôsse o caudal de ouro que vem desembocar em Portugal em pagamento da gente anualmente exportada?
Esta é a realidade,o - que não significa,de modo algum,que semelhante realidade mereça o nosso aplauso.
Desde,porém,que não sabemos,não podemos,ou não queremos arcar com o problema histórico da nivelação demográfica do reino,transplantando para o sul o excesso de população do norte;desde que não podemos,nem queremos,ou não sabemos fugir a êste velho círculo vicioso em que andamos,do imposto para o empréstimo e do empréstimo para o imposto,girando à volta de um equador de falácia,parasitismo e indolência;desde que os nossos nervos confrangidos não nos consentem o esfôrço necessário para sofrer e submeter-nos à crueldade das cousas:que resta,senão emigrar?
É excelente declamar contra a emigração. Mas é tão excelente,como inútil;porque para impedir o escoamento da população seria necessário,em vez de fraseado,obras;e em vez de medidas impeditivas sempre contraproducentes,medidas que regenerassem a economia interna do reino.
Quando,nem tempo,nem inclinação temos para pensar nisso,como se quere que a emigração diminua? Quando a principalíssima fonte do nosso rendimento económico,é,além dos empréstimos com que pagamos os juristas e os empregados,o subsídio anual que nos vem do Brasil?!,para que se quere alterar este doce far niente em que regaladamente vamos vendo correr o tempo?
Os clamores da imprensa são por isso vãos e inconsequentes.No mecanismo actual da economia portuguesa a emigração para o Brasil representa um papel inevitável por dois motivos: 1º porque é o vasadouro da gente sem ocupação no reino; 2º porque é fonte do subsídio que anualmente nos ajuda a viver.
Nas circunstâncias actuais,é fácil afirmar que,se fôsse possível suprimir a exportação de gado humano para o Brasil,viria daí uma críse fúnebre para Portugal.
Alterar essas circunstâncias,que incontestàvelmente são em absoluto más,é porém,emprêsa para que,segundo parece,nós não temos inclinação,nem jeito,nem pachorra,nem tempo.
Nestes termos,e como conclusão,a única medida que,quanto a nós,haveria a tomar,seria encarar de frente as cousas como elas são,considerar a emigração à maneira que se faz com a prostituição,um mal físico,regulá-la e fiscalizá-la para impedir os abusos dos engajadores e a exploração dos incautos,em vez de a procurar impedir com declamações ociosas,com caturrices burocráticas e com os embaraços de um recrutamento militar algum tanto extravagante.
Porque não se impede cousa alguma. E apenas se obtém que a emigração clandestina seja,talvez,superior ainda à oficial,e que o tráfego dos emigrantes,em vez de alimentar o movimento dos nossos portos,vá demandar os portos vizinhos da Espanha."
Nacional,9-XII-1890


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