segunda-feira, 16 de junho de 2008

O POETA E O GOL



O que torna um homem um poeta? Já nasce cheio de versos circulando nas veias? Aprende com a professora de português no ensino fundamental? Aprende na universidade? A leitura de grandes poetas? Um momento de grande tristeza ou um orgasmo de alegria? Semana passada fui ao lançamento do livro de um grande poeta, amigo desde sempre. São 30 poemas em português e em galego, língua de seus antepassados, cuja herança cultural faz questão de cultivar. No caminho de volta passamos pelo estádio do Maracanã, vazio e um tanto assombrado àquela hora. Meu amigo então me contou com detalhes o terrível silêncio da torcida brasileira quando terminou o jogo final da Copa do Mundo de 1950, que o Brasil perdeu. Meu amigo descreveu-me o que viu: 200 mil pessoas absolutamente mudas. Muitas mulheres no estádio choravam baixinho. Os homens, de olhos secos, tentando suportar a humilhação de perder uma Copa do Mundo em casa, acalmar a vontade de vingança, todos esses sentimentos que acompanham as derrotas apertando-lhes o coração, roubando seu ar, deixando em seu lugar apenas a espera da morte, que para o meu amigo, felizmente, não veio. Não tive coragem de perguntar-lhe se já escrevia poemas antes desse dia. Mas fiquei com certeza absoluta de que ali ele tornou-se poeta. Pela dor, pelo terror do silêncio, pelo medo do que poderia acontecer de repente com aquela multidão revoltada com a vida, um povo católico até a raiz dos cabelos que, de repente, duvida da existência de Deus. Eu nasci dois anos depois e tudo o que vi ou ouvi sobre isso não me marcou tanto quanto o relato do poeta. Diversas vezes vi filmagens toscas de momentos daquela partida, retratos sem cor dos jogadores dos dois times, a multidão saindo do estádio como se cada um acompanhasse o próprio sepultamento. Hoje, ao ler sobre os acontecimentos do futebol – e uma derrota da seleção brasileira para o Paraguai por dois a zero – deparei-me com uma foto do autor do gol que nos levou a Copa do Mundo e retardou essa alegria por vinte anos: Alcides Edgardo Ghiggia, que aos 81 anos entrou em campo antes do empate de Uruguai x Venezuela. Olhei para aquele senhor e vi apenas um homem que acreditou na vitória num jogo em que suas chances eram mínimas. Coloco aqui sua foto, não para assombrar o Dunga e sua seleção capenga. Mas principalmente para o time do Fluminense, que anda disputando o Campeonato Brasileiro como quem está apenas esperando a hora de ostentar a faixa de Campeão das Américas. Como se o outro torneio fosse uma conquista menor. Toda vitória é grande e igual no coração do torcedor. Se os jogadores de hoje são profissionais como qualquer advogado, engenheiro ou motorista, os torcedores continuam amadores, graças a Deus. Já imaginaram se trocássemos de time a cada empate, cada derrota? O ganha-pão de vocês estaria acabado. Espero que se comportem com a dignidade do Ghiggia e joguem todas as partidas com profissionalismo e respeito à sua imensa e apaixonada torcida. Já temos poetas suficientes, não deixem escapar o título mais importante da história do Fluminense por não conseguir colocar a cabeça no lugar.


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