segunda-feira, 2 de junho de 2008

UMA ESTRELA BRILHA NO CÉU DE SÁBADO

Sábado frio e manhoso, chegada de chuva ainda envergonhadinha, que interrompe a série de lindas noites de outono que vinham embelezando ainda mais o Rio de Janeiro. Caminhada vespertina em Ipanema, boa garrafa de vinho e conversa jogada dentro, interessante, carinhosa e esclarecedora. Se a receita é pequena, melhoremos a qualidade da despesa! (adoro a contramão da teoria econômica) Foi exatamente o que aconteceu a partir das 21h30min quando adentramos o Teatro Municipal para assistir ao recital brasileiro da cantora portuguesa Teresa Salgueiro. Sem cometer preços absurdos, como vem acontecendo com os “monstros sagrados” da música tupiniquim, Teresa nos presenteou com uma aula de interpretação de músicas dos mais consagrados compositores brasileiros. O início do show foi instrumental, com o quinteto liderado pelos maestros Carlos Cristal ao piano e Nailor Proveta nos variados saxofones e afins. Wave já dava a pista de que a noite seria costurada com as linhas melódicas do Tom Jobim. O show poderia ser chamado de forma bem lusitana – “Tom Jobim com Todos” (adoro essa expressão culinária da Terrinha, que tem sua correspondente etílica aqui no balneário: “tomei todas!”) – pois nosso Maestro Soberano vem acompanhado de Pixinguinha, Ari Barroso, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Carlos Lyra e muitos outros. Além de cantar com seriedade e respeito, exibindo sua técnica exuberante com emoção e graça, Teresa prestou homenagem ao nosso Dorival Caymmi sem dizer uma palavra: apenas cantou algumas de suas canções, como se dissesse ao mestre baiano com toda a humildade e simpatia: serei sua nova Carmem Miranda! O samba em suas veias lusitanas falou mais forte e a artista não se fez de rogada - dançou como uma cabrocha do Ataulfo Alves. Tudo isso sem gritar “vamos lá, galera” a cada refrão, sem rebolar, sem pular, sem desafinar. “Nenhum defeito?” - pergunta-me o torcedor de nariz, sempre de plantão no balcão do Bracarense, pronto para duvidar dos bons momentos alheios. Sim, prontamente corrigidos e apontados no “expediente” pela cantora: o som da orquestra estava cobrindo sua voz nas duas primeiras músicas, como também pouco se ouvia do violão e as duas simpáticas cantoras do backing vocals O técnico não teve muito tempo para instalar e mixar a parafernália sonora por causa da realização de um evento no teatro na parte da tarde. No final, com as duas do bis, Teresa veio nos levar para a cama com dois beijinhos e nos cobrindo com o calor de “Você e Eu”, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes e uma interpretação emocionada de “Modinha”, uma das mais belas canções de Tom e Vinícius, cuja letra faço questão de reproduzir aqui para refrescar a memória de quem não está ligando o nome à melodia:

"Não
Não pode mais meu coração
Viver assim dilacerado
Escravizado a uma ilusão
Que é só desilusão

Ah, não seja a vida sempre assim
Como um luar desesperado
A derramar melancolia em mim
Poesia em mim

Vai, triste canção, sai do meu peito
E semeia a emoção
Que chora dentro do meu coração
Coração"

Pois foi justamente o que ela fez: semeou nova emoção dentro de nosso coração brasileiro.

Teresa Salgueiro está viajando, levando nossas relíquias musicais mundo a fora, como uma nova João Gilberto, tornando universal nossa língua, nossa poesia, nossa música.

2 comentários:

aminhapele disse...

Parabens,Gerson!
Tiveste a sorte (suponho que isto não é qualquer exagero patrioteiro) de ver e ouvir,uma das melhores vozes do mundo.
E que bem descrita!
Acredita que,em qualquer parte do mundo,é difícil os técnicos de som "acertarem" com tal "instrumento".
A grande Teresa Salgueiro.

Anónimo disse...

Justérrima homenagem à grande Embaixadora...
fmt